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terça-feira, 25 de julho de 2017
Mulherismo Africana e Capoeira Angola- O feminismo como uma teoria que colabora para manutenção da supremacia branca dentro da Capoeira
Por Menhãnsi Érida Ferreira.
25 de Julho de 2017
“Nós sabemos quem somos e o que devemos fazer, se soubermos a nossa história.
Um povo sem apreço pelo valor das experiências históricas está destinado a criar o caos.”
Molefi Keti Asante
Logo do enredo do Salgueiro 2018
O dia 25 de julho, dia da mulher preta, em África e na Diaspora estimulam o surgimento de eventos e atividades que pretendem dar visibilidade a reflexões sobre o lugar da mulher preta na sociedade. As diferenças e desigualdades socio culturais entre generos e as diferenças intra genero que se dão pela atuação do sistema racial, ganham força com eventos de caracter feminista e com isso pontos de vista diversos emergem sobre o papel da mulher na sociedade. Escrevo esse singelo texto influênciada pelo ponto de vista mulherista africana com intuito de enegrecer ( deixar mais nítido ) para irmãs e irmãos, qual seria essa visão ainda pouco discutida dentro dos círculos de eventos de mulheres da Cultura da Capoeira Angola.
2017 aconteceu o 5º Encontro Mãe Capoeira, organizado pelo Grupo Aluandê Capoeira Angola, mestre Célio Gomes, do qual faço parte a 16 anos. O evento que acontece todo mês de maio e tem como objetivo valorizar o papel da mulher na Capoeira Angola e na sociedade, entende a Capoeira como um ser Feminino. Não se trata de um evento feminista, nem mesmo mulherista africano, mas sim um evento que preza por anualmente manter o principio de protagonismo feminino e a visibilização de assuntos inerentes a condição da mulher. Essa constução coletiva “dá muito pano pra manga” e desde o desenvolvimento até a realização esse evento enriquece com visões alternativas a cena da Capoeira Angola e das discussões sobre gênero.
Trago como exemplo o Encontro mãe Capoeira pois faço parte da construção desse encontro junto com outras mulheres e homens do grupo Aluande, no qual juntos travamos discussões acaloradas e diversas sobre como abordar esses assuntos. Eu como militante pela libertação dos territórios e corpos pretos, busco me expressar através dos princípios do Mulherismo Africano, desenvolvido como teoria afrocentrada para pensar a questão de genero e libertação africana através da família, por Cleonora Hudson.
“ Africana Womanism é um termo cunhado por Clenora Hudson-Weems em 1987, após perceber a necessidade de um 'construto teórico endêmico', ou seja, que atendesse às necessidades da mulher africana no continente e na diáspora. A terminologia pareceu mais apropriado à Clenora por entender o Womanism de forma a promover as questões das mulheres brancas sobre as questões das mulheres negras.” Gabriela Valim in African Womanism Pelo fim de todas as ferramentas de genocídio do povo preto! A reconstrução se dará por meio da comunidade. São Paulo .2015
O primeiro encontro Mãe Capoeira abordou o tema da mulher na Capoeira Angola. A diferença entre mulheres socialmente pretas e brancas, foi a abordagem sobre o tema mais polêmica do dia. Dia esse que foi regado de muita Capoeira, comida gostosa, amor e um longo bate papo onde mulheres e homens colocaram seu ponto de vista sobre a presença da mulher na Capoeira Angola e sobre questões raciais. Apresentadas e mediadas por mim com a presença das convidadas mestra Cristina, a biologa e capoeirista Fabiana Souza e a atriz e jongueira Flavia Souza, está ultima inflamou o público com sua fala sobre relações interraciais e privilégio branco.
O 2º Encontro teve como tema “A mãe sem seus filhos- O genocidio da população preta”. Nesse encontro pudemos eu e Ana Luzia Guimarães, históriadora e também praticante de Capoeira Angola, trazer para o grupo e para os presentes a importância de se discutir a atuação da supremacia branca e o genocídio em curso que opera em diversos paises do mundo e se globaliza dia a após dia naturalizando a eliminação e expropriação de povos e culturas tradicionais ao redor do mundo.
O ano de 2013 e inicio de 2014 no local onde eu puxava treinos, organizei junto com meu mestre Célio Gomes e com a força e a presença dos demais núcleos do Grupo Aluandê rodas de Capoeira Angola, no espaço Habitat Carioca, no qual ao final do ritual da roda, sentavamos, comiamos um alimento trazido coletivamente pelos participantes e conversávamos sobre assuntos no qual o tema principal era “Memoria das lutas Negras”. Foram dias muito interessantes e de longas conversas no qual todos que quisesem opinar e trazer seu ponto de vista sobre o tema eram bem vindos e reflexões muito positivas sobre esses temas deram origem a outros movimentos de conversa e discussões dentro de rodas de Capoeira Angola no Rio de Janeiro e fora dele. A discussão sobre racismo, mas sobretudo sobre privilégio branco e sistema de dominação supremacista branco passou a fazer parte dos diálogos dentro da Capoeira Angola, o que antes era falado sobre valorização do povo negro, de Africa e da sua cultura, hoje passa a ser a luta por sobrevivência simbólica e material afrocentrada, que diante de um esvaziamento das discussões do ponto de vista racial sobre as violências e expropriações que acontecem dentro e fora da Culturas Tradicionais e dentro e fora das comunidades pretas desmobilizam a luta e desviam o foco da liberdade do povo e não só da mulher ou do mestre de Capoeira, ou da sobrevivência da cultura, mas trás a visão que a sobrevivência da cultura e da mulher preta, passa pela sobrevivência dos pretos como povo. Porém pontuar que a construção teorica e metodologica sobre nossas demandas como povo preto , até estar na linha de frente das escolas de propagação dessas ideias faz parte da atuação dos pretos e pretas afrocentrados presentes na Cultura da Capoeira Angola hoje.
Pois bem, parece que tudo isso, descrito acima, foi fácil e sem conflitos e que hoje respeitamos e nos baseamos em teorias afrocentradas para pensar problemas africanos, respeitando suas falas e suas construções teorio- metodologicas. Pois bem, trago-lhes novas. Não camaradas! Não foi e não é assim! Ainda temos tabus sérios a repensar, e o feminismo e seu carácter de divisão da luta de libertação do povo preto ainda é um deles, e sua presença no imaginário das mulheres pretas que hoje comemoram o dia da mulher preta. Para melhor explicar o fenomeno chamo a mais antiga Cleonora Hudson, que exemplifica o porque do feminismo ser um problema e não uma solução para união entre homens e mulheres pretas na frente de batalha por libertação:
“...este é particularmente o caso em que as mulheres negras errôneamente aceitam a noção que elas têm um traço comum compartilhado com as mulheres brancas como sendo igualmente subjugados por seus pares do sexo masculino, o que é uma evidência sobre como a psique da mulher negra, que aceita esta noção, pode impactar negativamente a comunidade negra...
As mulheres negras compartilham, proporcionalmente, mais a opressão imposta aos homens negros pela sociedade, que a opressão imposta às mulheres brancas´[...] Por exemplo, é muito mais fácil para a estrutura de poder colocar mulheres negras contra homens negros, não por serem homens, mas por serem negros. Portanto é necessário que as mulheres e homens negros saibam separar a todo momento as necessidades do opressor dos conflitos que são vivenciados internamente em nossa comunidade. Esses problemas não são enfrentados pelas mulheres brancas. Mulheres e homens negros têm compartilhado e ainda compartilham a opressão racista. Assim, temos compartilhado o desenvolvimento de defesas comuns que não podem ser duplicadas na comunidade branca.” (Lorde, 118 in Africana Womanism – O outro lado da moeda. Cleonora Hudson-Weems. Tradução: Naiana Sundjata. UNIAPP, 2012.)
No entanto se ainda assim irmãs, vocês são incapazes de relativizar aquela atitude cruel, agressiva, desrespeitosa que um homem preto teve contra você, te digo, não precisa esquecer. Não se trata de dizer que homens pretos são perfeitos ou que não violentam seus pares. A discussão aqui se trata de tirarmos a mulher como centro da libertação e trazer a familia, trazer a comunidade, como princípal aspecto a ser emancipado dessa sociedade. Mulheres pretas não estão livres se seus pais e irmãos ainda estão em cativeiro, mulheres pretas não são livres e empoderadas se ao “brilharem” no mais alto grau de autonomia e libertadade que o sistema racista pode lhes permitir infiltrar, seu filho fruto do seu ventre for estuprado na cadeia (preso por portar Pinho Sol) ou violentado ou alvejado por policiais a caminho da escola ou de um rolê. Se trata aqui pararmos de organizar eventos feministas que falam sobre a opressão dos homens genericamente empoderando mulheres brancas com nosso feminismo que nos capitaliza simbolicamente, mas que pouco tem a contribuir a libertação dos irmãos que estão no sistema carcerário. Devemos empoderarmo mulheres sim, mas mulheres como base e fundamento de suas comunidades. Se trata de não ignorarmos que temos uma libertação conjunta a fazer e que homens e mulheres precisam estar juntos nessa luta.
A violencia sexual sofrida por mulheres pretas durante o periodo “legal” de escravização e seus suas consequências para o estéreotipo da mulher preta que é ainda hoje propagado, faz parte da agenda de feministas pretas e brancas, no entanto homens pretos foram igualmente violentados sexualmente, bem como mulheres sustentavam o mesmo peso e carga horária de trabalho que os homens pretos.
Portanto hoje não pretendo aqui mudar a visão de ninguém, mas exigir respeito e passagem ao Africana Womanism, teoria e pratica afrocentrada que através das vozes de mulheres como Assanta Shakur, Cleonora Hudson, Marimba Ani, Ama Mazama, Emaye Ama Mizane, Anin Urasse, Ana Luizia Guimarães, Gabriela Valim, Lua Nascimento, Katiusia Ribeiro, Aza Njeri e outras tomam força e volume na atualidade. E nenhum passo atrás será dado.
Para compreender melhor deixo aqui alguns princípios do Mulherismo Africana que serão iluminados e enegrescidos nos próximos textos que trarei.
“Irmandade genuína entre irmãs, autonomear-se e autodefinir-se, ser forte em conjunto com os homens em uma luta inteira e autêntica, flexibilizar os papéis no jogo, respeitando e reconhecendo espiritualmente seus pares masculinos, respeitando os mais velhos, sendo adaptável, ambiciosa, materna e nutridora.” (Hudson, Cleonor. Africana Womanism – O outro lado da moeda. Tradução: Naiana Sundjata. UNIAPP, 2012.)
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